Hipertireoidismo


Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da area médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas a  avaliação e crítica do médico, responsavel pela conduta a ser seguida,frente a realidade e ao estado clínico de cada paciente.

Autoria: Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

Elaboração Final: 23 de junho de 2006
Participantes: Maia AL, Vaisman M

Hipertireoidismo

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:

Revisão bibliográfica de artigos científicos e recomendações de diretrizes internacionais.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B. Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C. Relatos de casos (estudos não controlados).
D. Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVOS:

1. Melhorar o diagnóstico precoce;
2. Promover o tratamento visando ao controle do hipertireoidismo;
3. Diminuir a incidência das complicações associadas.

CONFLITO DE INTERESSE:

Nenhum conflito de interesse declarado.

RASTREAMENTO DA DISFUNÇÃO

A Associação Americana de Tireóide1(D) recomenda o rastreamento de adultos para disfunção tireoidiana por meio da
mensuração das concentrações do hormônio estimulante da tireóide (TSH), a partir dos 35 anos de idade e a cada 5 anos posteriormente, sobretudo em mulheres. Indivíduos com manifestações clínicas potencialmente atribuíveis ao hipertireoidismo e aqueles com fatores de risco para o seu desenvolvimento devem realizar dosagens mais freqüentes do TSH. Alguns fatores de risco encontrados na história patológica pessoal ou familiar indicam um risco aumentado de desenvolvimento de hipertireoidismo:
História pessoal: (1) sexo feminino; (2) disfunção tireoidiana prévia; (3) bócio; (4) uso de medicamentos como amiodarona, citocinas e compostos contendo iodo.
História familiar: (1) doença tireoidiana; (2) miastenia gravis; (3) diabetes mellitus tipo 1; (4) insuficiência adrenal primária. Alguns resultados alterados de exames laboratoriais podem sugerir, quando persistentes e associados a outros fatores de riscos, hipertireoidismo:
Hipercalcemia;
Elevação da fosfatase alcalina;
Elevação de transaminases. As concentrações séricas de TSH se encontram suprimidas em virtualmente todas as formas freqüentes de hipertireoidismo e tireotoxicose, tipicamente abaixo de 0,1 mIU/L. A dosagem sérica da tiroxina livre (T4 livre) ou da triiodotironina livre (T3 livre) sérica, em caso de T4 livre normal, está indicada para avaliação posterior em indivíduos com TSH < 0,1 mIU/L. Existem dois tipos raros de hipertireoidismo mediado pelo TSH (adenoma
hipofisário secretor de TSH e resistência hipofisária aos hormônios tireoidianos), nos quais o diagnóstico pode ser confundindo pela dosagem isolada deste hormônio; na suspeita destas condições, a dosagem de T4 e T3 livres é mandatária.

DIAGNÓSTICO (AACE THYROID TASK FORCE, 2002)2(D)

As manifestações clínicas mais comumente encontradas no hipertireoidismo são:

Ansiedade, nervosismo, irritabilidade;
Fadiga;
Fraqueza muscular;
Bócio;
Emagrecimento;
Insônia;
Sudorese excessiva;
Palpitação, taquicardia, taquiarritmias atriais;
Intolerância ao calor;
Pele quente e sedosa;
Tremor;
Pressão arterial divergente;
Hiper-reflexia;
Retração palpebral;
Exoftalmia;
Alterações menstruais;
Hiperfagia;
Hiperdefecação. Após anamnese detalhada, o exame físico deve incluir:
Aferição do peso, da pressão arterial, e da frequência cardíaca;
Palpação e ausculta da tireóide (para determinação do tamanho, consistência, presença de nodularidade e vascularização);
Exame neuromuscular;
Exame ocular (na busca de exoftalmia e/ou outros sinais de oftalmopatia);
Exame dermatológico;
Exame do aparelho cardiovascular;

Avaliação laboratorial:

A dosagem do TSH ultra-sensível (sensibilidade 0,02 mIU/L) é o teste de escolha para o diagnóstico de hipertireoidismo franco ou subclínico. O excesso de hormônios tireoidianos de qualquer causa (exceto nos casos
raros de aumento do TSH) resultará em TSH suprimido (usualmente < 0,1 mIU/L);
As concentrações séricas de T4 livre se encontrarão habitualmente elevadas; na ausência de elevação do T4 livre e presença de TSH suprimido, deve-se dosar o T3 livre (por vezes, este é o primeiro hormônio a se elevar tanto na doença de Graves como no bócio nodular tóxico);
A dosagem das concentrações hormonais totais de T3 e T4 não são recomendadas isoladamente porque resultados alterados nas suas mensurações ocorrem muito mais frequentemente devido a anormalidades nas globulinas ligadoras dos hormônios tireoidianos do que a alterações da função tireoidana;
A dosagem do anticorpo anti-receptor do TSH (TRAb) não está indicada rotineiramente, mas pode ser útil em casos selecionados; sua sensibilidade em indivíduos com doença ativa e ainda não tratada é de 80% a 90%3(A)1(D). A dosagem de TRAb está indicada nas seguintes situações:
Investigação da etiologia do hipertireoidismo, quando o quadro clínico não é evidente;
Em gestantes eutireoidianas com passado de doença de Graves submetidas a radioiodo ou tireoidectomia ou com doença de Graves presente, para predição de tireotoxicose neonatal decorrente de passagem transplacentária de TRAb;
níveis maternos elevados do anticorpo durante o primeiro trimestre da gestação indicam um risco de hipertireoidismo
fetal, enquanto níveis aumentados no terceiro trimestre associam-se ao risco de hipertireoidismo neonatal;
Diagnóstico diferencial da tireotoxicose gestacional (1° trimestre);
Diagnóstico diferencial de indivíduo eutireoidiano com exoftalmia, especialmente quando bilateral.
A captação de iodo radioativo (I123 ou I131) pode ser útil para o diagnóstico diferencial das causas de hipertireoidismo e para o cálculo eventual da dose terapêutica de I131.

DOENÇA DE GRAVES

É a causa mais comum de hipertireoidismo, em todo o mundo. A sua incidência é mais elevada na faixa etária compreendida entre 20 e 50 anos, afetando aproximadamente 2% das mulheres e 0,2% dos homens. O receptor do
TSH (TSHR) constitui o auto-antígeno primário da doença de Graves, pois sofre estimulação por anticorpos específicos direcionados contra ele. A doença é caracterizada clinicamente pela presença de bócio difuso, tireotoxicose, oftalmopatia infiltrativa e, ocasionalmente, dermopatia infiltrativa (mixedema pré-tibial). O hipertireoidismo e o fenômeno infiltrativo
podem ocorrer juntos ou isoladamente.

TRATAMENTO4(D)

As opções terapêuticas atualmente disponíveis são as drogas antitireoidianas (DAT), a cirurgia e o iodo radioativo (I131), sendo que nenhuma delas é considerada ideal, visto que não atuam diretamente na etiologia/patogênese da disfunção. O I131 tem sido cada vez mais utilizado como primeira escolha terapêutica por tratar- se de um tratamento definitivo, de fácil
administração e seguro. As DAT ainda são utilizadas como primeira escolha nos casos de pacientes com bócios pequenos, crianças e adolescentes, e na gravidez. A tireoidectomia é, atualmente, quase um tratamento de exceção, com
indicação restrita para casos em que as DAT ou o I131 sejam contra-indicados. Tanto o iodo radioativo quanto a cirurgia são considerados terapia ablativa, porque melhoram a tireotoxicose por meio de remoção permanente ou destruição
de tecido tireoidiano. Hipotireoidismo permanente é a principal desvantagem da terapia  ablativa, enquanto recidiva do hipertireoidismo é mais observada no tratamento com drogas antitireoidianas.

Drogas antitireoidianas

Propiltiouracil e metimazol são as drogas utilizadas no tratamento da doença de Graves há mais de 60 anos. Esses compostos, pertencentes à classe das tionamidas, têm como mecanismo  de ação primário a inibição da síntese de T3
e T4 nas células foliculares. Embora ainda controverso, postula-se que as DAT também apresentem uma ação na auto-imunidade. A escolha das DAT depende da preferência e experiência do médico assistente. O uso do metimazol (MMI) apresenta a grande vantagem da dose única diária, os efeitos colaterais são dose-dependentes (raros com dose <20mg/dia)
e hepatotoxicidade menos grave. Alguns autores sugerem que o PTU deve ser a droga de escolha na gravidez e na lactação, porque atravessa menos a barreira placentária e é encontrada em menor quantidade no leite materno que o MMI. Outros autores, no entanto, questionam as restrições ao uso do MMI, porque os estudos não demonstram efeitos indesejáveis para o feto, exceto, talvez, pela aplasia cutis5(C).
O PTU deve ser a droga de escolha no tratamento do hipertireoidismo grave ou tempestade tireoidiana, visto que em altas doses inibe a conversão de T4 para T36(D). Pacientes que utilizam doses mais elevadas apresentam resposta mais rápida ao tratamento e praticamente todos os pacientes evoluem para eutireoidismo dentro de 6 a 12 semanas após início do tratamento com metimazol (30mg/dia)7(A).
A mais importante decisão terapêutica, na escolha das DAT como tratamento de primeira escolha, deve ser a probabilidade de remissão da doença. Estudos realizados em diferentes centros mostram que 40% a 50% dos pacientes
tratados com DAT apresentaram remissão da doença (eutireoidismo bioquímico após 1 ano de suspensão da medicação). Dados sobre chance de remissão em pacientes do sexo masculino, jovens, tabagistas ou com bócios volumosos são
controversos, entretanto, a maioria dos estudos mostra que bócios volumosos, longo tempo de doença e níveis muito elevados de T3 se associam a maior chance de recidiva da doença.
Outros fatores controversos referem-se à taxa de remissão relacionada aos níveis basais baixos de TRAb ou diminuição desses anticorpos após suspensão das DAT4(D). Do ponto de vista prático, parece razoável administrar DAT durante 12 a 18 meses, na dose apropriada para controlar a tireotoxicose clínica e laboratorialmente, uma vez que a terapia com doses elevadas não está associada a maiores taxas de remissão enquanto aumenta a incidência de efeitos colaterais, a grande desvantagem do uso das DAT. A incidência global dos efeitos colaterais dessas drogas, compilada de casos publicados por pesquisadores, foi de 3,3% para o PTU e 7,1% para o metimazol,verificando-se o desenvolvimento de agranulocitose
(granulócitos < 250/microlitro) em 0,44% e 0,12% dos casos, respectivamente. No entanto, deve ser considerado que alguns desses são potencialmente fatais, como a hepatite tóxica e agranulocitose8(C).
Apesar das controvérsias na literatura, é razoável supor que pacientes com bócios volumosos, aumento da razão T3/T4 e níveis de T3 acima de 500 ng/dL, apresentem menor chance de remissão da doença após uso de DAT, e, nesses
casos, o tratamento definitivo deve ser considerado como primeira escolha. Os candidatos ideais para tratamento com DAT seriam pacientes com doença leve e bócios pequenos, crianças e adolescentes.

Uso terapêutico de -bloqueadores

Os antagonistas –adrenérgicos não inibem a função tireoidiana, mas são úteis para supressão temporária de vários sinais e sintomas da tireotoxicose, como taquicardia, palpitação, tremor, diaforese, retração palpebral e ansiedade. Seu efeito é rapidamente percebido pelo paciente e é mediado em grande parte por meio do sistema nervoso adrenérgico,
apesar de também poderem prejudicar a conversão periférica de T4 a T3. A dose oral habitual de propranolol ou atenolol eficaz, nestes casos, varia de 20 a 80mg a cada 6 a 12 horas e 50 a 100 mg uma vez ao dia, respectivamente, mas a dosagem deve ser ajustada de acordo com a resposta. A frequência cardíaca constitui um indicador confiável, mas
em alguns casos é muito difícil eliminar a taquicardia. Bloqueadores de canal de cálcio, tais como diltiazem e verapamil, podem ser utilizados nos casos de contra-indicação ao uso de antagonistas –adrenérgicos, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva, bloqueio atrioventricular e doença arterial periférica.

IODO RADIOATIVO

O tratamento com radioiodo tem sido cada vez mais utilizado no Brasil e em todo o mundo, pois é efetuado em nível ambulatorial e evita o desconforto, custo e tempo despendido com o uso de drogas antitireoidianas. O tratamento
com I131 é bem tolerado e, exceto pela indução de hipotireoidismo iatrogênico transitório ou permanente, nenhum efeito colateral significativo tem sido relatado. Um estudo comparativo entre custo de tratamento com drogas antitireoidianas, radioterapia com I131 ou cirurgia, realizado no Brasil9(D), demonstrou que o tratamento com I131 apresenta menor custo,
melhores índices custo/eficácia e custo/efetividade e a vantagem adicional da redução do volume glandular. Estima-se que mais de 2 milhões de pacientes com a doença de Graves já tenham sido tratados com I131, sem evidências de elevação da freqüência de defeitos congênitos em crianças cujos pais foram submetidos a esta forma de tratamento. A Comissão Internacional de Proteção Radiológica estima que o risco de dano genético associado à exposição ao tratamento seja de aproximadamente 0,005%, considerado menor que o risco espontâneo de tais anormalidades10(D). O tratamento com I131,
nas doses utilizadas para o hipertireoidismo de Graves, parece não afetar a fertilidade e doses de irradiação gonadal relacionadas ao tratamento (máximo de 3 rads) são similares ou menores que as doses utilizadas durante a realização de
tomografia computadorizada de abdome, pielografia endovenosa ou enema baritado. Quanto à preocupação com a possibilidade do tratamento induzir carcinogênese, não existem evidências de aumento de risco de leucemia,
câncer da tireóide ou outras malignidades. Franklyn et al.11(A) demonstraram uma redução na incidência e mortalidade por câncer em geral, com pequeno aumento de risco de câncer de tireóide e intestino delgado. Entretanto,
como não houve relação entre essas malignidades e dose de I131 utilizada, tempo ou idade de tratamento, os autores sugerem que esse achado pode refletir associação com tireotoxicose e não com exposição ao I131.

Modo de Administração

Não existe consenso sobre a melhor forma de administração do I131. Os esquemas terapêuticos são múltiplos, com variação da dose ou associação com drogas antitireoidianas utilizadas antes, durante ou após o I131. Estudos
comparando doses variadas de I131 demonstraram que doses reduzidas estão associadas a menor incidência de hipotireoidismo, porém às custas de menor taxa de cura do hipertireoidismo e que doses altas do radioisótopo aumentam a incidência do hipotireoidismo12(B). A utilização de doses calculadas parece não oferecer vantagens em relação às doses fixas: 5 mCi para bócios menores que 30g, 10mCi para bócios entre 30-60g e 15 mCi para bócios maiores
que 60g13,14(A). A associação de drogas antitireoidianas e I131 é ainda muito utilizada na prática clínica. O principal fundamento para o tratamento prévio com drogas antitireoidianas seria que a redução da quantidade de hormônios armazenados na tireóide e a liberação dos mesmos na circulação com o uso do I131, evitando o quadro de exacerbação do hipertireoidismo conseqüente à tireoidite provocada pela radiação, ou mesmo a denominada “tempestade tireoidiana”.
No entanto, estudos bem conduzidos demonstram que a interrupção do metimazol é responsável por aumento significativo das concentrações plasmáticas dos hormônios tireoidianos e que, após administração de I131, ocorre estabilização ou redução dos níveis séricos desses hormônios7(A). Contudo, é importante considerar que, embora os pacientes tratados somente com I131 apresentem reduções dos níveis séricos dos hormônios tireoidianos, esses valores permanecem significativamente elevados por um tempo superior àqueles pacientes previamente tratados com drogas antitireoidianas7(A).
Essa situação pode significar uma potencial desvantagem do tratamento com I131 isolado, principalmente para pacientes com maior risco de complicações, como idosos e cardiopatas. A elevação abrupta doshormônios tireoidianos livres, que ocorre como conseqüência da suspensão das drogas antitireoidianas, também pode exacerbar o hipertireoidismo e aumentar o risco de complicações, como tempestade tireoidiana. Nesses casos, a utilização de lítio pode prevenir
a elevação dos níveis séricos dos hormônios tireoidianos e sua utilização deve ser avaliada
em pacientes considerados de risco15(A). De modo geral, o emprego do I131 em pacientes com hipertireoidismo de Graves sem uso prévio de drogas antitireoidianas pode representar uma alternativa de tratamento eficaz, pois tem desfecho previsível, reduz a frequência das consultas médicas e custo do tratamento, evita a elevada taxa de abandono ao
tratamento clínico, além de evitar a exposição dos pacientes ao risco adicional dos efeitos colaterais das drogas antitireoidianas. Caso a opção para tratamento prévio seja escolhida, recomendamos a utilização de metimazol, visto que o pré-tratamento com propiltiouracil tem sido associado a maiores taxas de falência ao I131 16(C). O eutireoidismo é alcançado, em média, cerca de 2 a 4 meses após sua administração. O não alcance do eutireoidismo com uma primeira
dose de radioiodo indica a necessidade de uma segunda administração3(A). A maioria dos pacientes desenvolve hipotireoidismo após seu emprego, necessitando de reposição de levotiroxina por toda a vida. O status tireoidiano deve ser reavaliado a cada 4 a 6 semanas após a dose terapêutica, com as dosagens de T4 livre e TSH. No entanto, vale ressaltar que o TSH pode não ser um bom indicador da função tireoidiana, já que sua supressão pode persistir
por vários meses. Uma vez estabelecido o eutireoidismo ou tratado o hipotireoidismo, o paciente deve retornar ao consultório após 3 meses, 6 meses, e então anualmente, para avaliação da função tireoidiana. Pacientes com oftalmopatia leve a moderada devem ser alertados sobre uma possível piora do quadro ocular com o uso do radioiodo, embora esse efeito ainda seja objeto de controvérsias na literatura. É recomendada a administração de glicocorticóide (prednisona 0,5 a 1 mg/kg/dia) antes da dose terapêutica, e este deve ser mantido por até 2-3 meses, de acordo com a evolução clínica17(A). Nos indivíduos com oftalmopatia moderada a grave, a indicação de iodo radioativo deve ser discutida com
reservas.

Contra-Indicações ao Uso do I131

As contra-indicações absolutas ou relativas ao tratamento com I131 incluem pacientes grávidas (antes da sua administração deve ser obtido um teste de gravidez negativo de todas as mulheres em idade reprodutiva, e tentativas de gravidez devem ser adiadas por, pelo menos, 4 a 6 meses após seu emprego) ou lactantes, níveis baixos da captação de I131, presença de nódulo tireoidiano maligno ou suspeito de malignidade. O paciente deve ser informado sobre essa forma de terapia e, principalmente, sobre a elevada incidência do hipotireoidismo iatrogênico. A recusa ou o receio à utilização do iodo radioativo pelo paciente deve ser considerada uma contra-indicação relativa.

TIREOIDECTOMIA

A terapia cirúrgica tem, atualmente, indicações bem limitadas na doença de Graves, sendo considerado quase que um tratamento de exceção.
Embora associado a maior probabilidade de eutireoidismo a longo prazo, apresenta como principal desvantagem o risco de complicações cirúrgicas, diretamente relacionadas com a experiência do cirurgião que realiza o procedimento.
De acordo com a literatura, estaria indicada a tireoidectomia subtotal em crianças e gestantes que apresentem efeitos colaterais às medicações antitireoidianas ou que não apresentem aderência ao tratamento, pacientes com bócios volumosos ou que desejam tratamento definitivo e recusam o uso do iodo radioativo ou, ainda, presença de nódulo tireoidiano suspeito de malignidade. O paciente deve ser preparado antes da cirurgia com administração de drogas antitireoidianas e iodo (ex.: solução de lugol), uma vez que o iodo diminui a vascularização da glândula e facilita a hemostasia cirúrgica. Complicações potenciais da cirurgia incluem hipoparatireoidismo e paralisia de cordas vocais por lesão do nervo laríngeo recorrente em um pequeno número de pacientes. A tireoidectomia deve ser efetuada idealmente apenas por cirurgiões treinados e experientes neste tipo de intervenção.

BÓCIO NODULAR TÓXICO

As diferenças entre o hipertireoidismo causado pelo bócio nodular tóxico e pela doença de Graves foram primeiramente descritas por Henry Plummer, no início do século passado, quando observou que indivíduos com bócio multinodular
tóxico apresentavam hipertireoidismo sem oftalmopatia, geralmente em idade mais avançada, e freqüentemente associado a complicações cardiovasculares. Do ponto de vista fisiopatoógico, nódulos autônomos produzem e secretam
hormônios tireoidianos independentemente do estímulo pelo TSH. À medida que os nódulos crescem, aumenta a produção de T3 e T4, a secreção de TSH diminui, e os nódulos aparecem como hipercaptantes ou “quentes” à cintilografia, devido à supressão parcial ou total do parênquima extranodular.

ADENOMA TÓXICO

Também conhecido como bócio uninodular tóxico, apresenta prevalência variável (1% a 9%), sendo mais elevada em regiões com deficiência de iodo. Acomete 6 mulheres para cada homem. A grande maioria dos adenomas tóxicos é maior de 3 cm em seu maior diâmetro, sendo raro o hipertireoidismo em pacientes com nódulos menores que 2,5 cm. Aproximadamente 20% dos adenomas tóxicos apresentam mutações somáticas nas células foliculares responsáveis
pelo aumento da síntese de T3 e T4, sendo que 80% dessas mutações ocorrem no receptor do TSH e o restante na estrutura da subunidade a das proteínas G de membrana18(D). O diagnóstico geralmente é feito pela combinação da palpação da tireóide e testes laboratoriais. Ao exame físico, pode-se identificar o nódulo tireoidiano com cerca de 3 cm ou mais; nódulos mais volumosos podem associar-se a fenômenos compressivos de estruturas cervicais (dor, rouquidão, disfagia ou mesmo dispnéia). O paciente pode não apresentar manifestações de tireotoxicose, quando o grau de hipertireoidismo ainda é leve. A tendência dos nódulos é o aumento lento e progressivo de tamanho, uma vez que sua redução ou mesmo desaparecimento espontâneo secundário à necrose são bastante raros. As dosagens hormonais séricas evidenciam supressão do TSH e elevação do T3 e T4 livres. No início do quadro, pode haver apenas elevação do T3, que evolui geralmente com aumento do T4 , à medida que o nódulo cresce. Na presença de TSH suprimido e nódulo tireoidiano solitário, deve ser efetuada a captação de iodo radioativo (I123 ou I131) com cintilografia da tireóide,
na qual o adenoma tóxico aparecerá como normocaptante (“morno”) ou hipercaptante (“quente”), dependendo do grau de supressão do tecido tireoidiano extranodular. O risco de malignidade de um nódulo tóxico é extremamente
baixo18(D). A punção aspirativa com agulha fina (PAAF) do adenoma tóxico quase que invariavelmente  evidencia neoplasia folicular com vários graus de atipia e hipercelularidade. A nodulectomia ou a lobectomia efetuada por um cirurgião experiente é o tratamento de escolha do adenoma tóxico, sobretudo na vigência de sintomas compressivos ou quando necessário controle rápido do hipertireoidismo. O uso de tionamidas e beta-bloqueadores é essencial para o controle do hipertireoidismo no pré-operatório. A recorrência do hipertireoidismo é extremamente rara (0,3%) e hipotireoidismo ocorre em cerca de 8% dos casos. Suas principais desvantagens são o risco anestésico e o alto custo.
O iodo radioativo também é utilizado no tratamento de nódulos tireoidianos. A dose administrada de radioiodo é usualmente mais elevada do que aquela para tratamento da doença de Graves (15-25mCi). Persistência ou recorrência do
hipertireoidismo ocorre em 10,2% dos pacientes (variando de 0% a 41,4%) e hipotireoidismo ocorre em 11,7% dos casos (variando entre 0% a 58,3%). O radioiodo é absolutamente contraindicado durante a gravidez (pelo risco de ablação
da tireóide fetal) e a amamentação2(D). As mulheres que desejam engravidar devem ser recomendadas a esperar por, pelo menos, 4 a 6 meses após a dose de radioiodo. O uso do propiltiouracil ou metimazol (em doses semelhantes àquelas utilizadas no tratamento da doença de Graves) é capaz de controlar clínica e laboratorialmente o hipertireoidismo, no
entanto, não inibem o crescimento ou a história natural do adenoma, sendo indicados apenas como tratamento temporário. A injeção percutânea de etanol estéril a 95% guiada por ultra-som tem sido utilizada, desde os anos 80, no tratamento de nódulos tóxicos em alguns países, especialmente na Itália, com o objetivo de proporcionar ablação do suprimento sanguineo do nódulo19(B). Várias sessões (em média 4 a 8), com intervalos de dias a semanas, são necessárias, e o total de etanol injetado é cerca de 50% maior que o volume do nódulo. As chances de cura variam de 58,7% a 89,6% dentro de, no máximo, 3 meses, com taxas de recorrência e de hipotireoidismo de 0%. A maioria
dos pacientes que têm sido submetidos a este tratamento apresenta nódulos pequenos. Não são necessárias anestesia ou sedação, sendo comum o aparecimento de dor local, com irradiação para o pavilhão auricular e/ou mandíbula
durante o procedimento, principalmente quando há extravasamento de álcool para fora do nódulo. Efeitos colaterais, como disfonia, formação de hematoma e exacerbação da tireotoxicose, são raros. As principais vantagens
desse método são o baixo custo e a possibilidade de ser realizado em grávidas.

BÓCIO MULTINODULAR TÓXICO (BMNT)

O BMNT representa a fase final de evoluçãodo bócio multinodular. Constitui a segunda causa mais freqüente de hipertireoidismo e, como o adenoma tóxico, é mais comum em áreas onde há carência de iodo20(A). O BMNT é diagnosticado mais comumente em mulheres acima de 60 anos de idade, uma vez que seu desenvolvimento geralmente começa décadas antes do diagnóstico.
Um dos principais fatores que parece determinar o surgimento do bócio multinodular é a carência de iodo na alimentação18(D). Ao longo de vários anos ou décadas, um ou mais nódulos produzem hormônios tireoidianos em quantidades excessivas que suprimem o TSH e hipertireoidismo. No BMNT, costumam ocorrer nódulos que são apenas agrupamentos de células foliculares que não configuram um adenoma verdadeiro, ou podem coexistir tais nódulos com
um ou mais adenomas hiperfuncionantes e, até mesmo, com neoplasia maligna. O diagnóstico é feito com base na história clínica do doente, na palpação da tireóide e exames complementares, como no adenoma tóxico. Quando o bócio é volumoso, o indivíduo pode se queixar de sintomas decorrentes de compressão de estruturas cervicais (dor, rouquidão,
disfagia ou mesmo dispnéia). Geralmente, o quadro de hipertireoidismo cursa com manifestações cardiovasculares mais graves, como taquicardias supraventriculares e insuficiência cardíaca, decorrente principalmente da idade avançada dos pacientes. A história natural do bócio multinodular é o aumento gradual e progressivo de volume. As dosagens hormonais séricas evidenciam supressão do TSH e elevação do T3 e T4 livres, mas no início do quadro pode haver apenas do T3-toxicose. Na presença de TSH suprimido e nódulo tireoidianos à palpação, deve ser efetuada
a captação de iodo radioativo (I123 ou I131) com cintilografia da tireóide, na qual os nódulos aparecerão como normocaptantes ou hipercaptantes dependendo do grau de supressão do tecido tireoidiano extranodular. Se existe um nódulo tireoidiano dominante, a punção aspirativa com agulha fina (PAAF) deve ser efetuada, da mesma maneira que no bócio multinodular atóxico. A dosagem de anticorpos antitireoidianos, inclusive TRAb, pode ser útil na diferenciação de
doença de Graves com nódulos. As opções de tratamento são as mesmas já descritas no tópico de adenoma tóxico. O tratamento clínico do hipertireoidismo com tionamidas costuma ser reservado apenas para o preparo do pacientes antes do iodo radioativo ou da cirurgia, a fim de controlar o hipertireoidismo, uma vez que o hipertireoidismo do BMNT não está sujeito à remissão (como ocorre na doença de Graves).
O iodo radioativo é considerado por muitos como o tratamento mais apropriado do BMNT, na grande maioria dos indivíduos18(D). A dose administrada de radioiodo é usualmente mais elevada do que aquela para tratamento da doença
de Graves, uma vez que a captação de iodo radioativo pela glândula costuma ser menor. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) não permite que a dose ambulatorial de iodo ultrapasse 30 mCi. O objetivo é atingir o eutireoidismo ou mesmo o hipotireoidismo, para diminuir a chance de recidiva da doença. Além de não ser um procedimento invasivo e apresentar baixo custo, resposta terapêutica é uma das principais vantagens desse método, pois
mesmo bócios volumosos que causam sintomas compressivos acentuados podem ter seu tamanho satisfatoriamente reduzido após a dose. A tireoidectomia subtotal bilateral ou alargada com a retirada de todos os nódulos visíveis, efetuada por um cirurgião experiente, costuma ser empregada como tratamento de escolha, sobretudo na vigência de sintomas compressivos graves associados a nódulos volumosos ou quando da necessidade de rápida resolução do hipertireoidismo. O uso de tionamidas e -bloqueadores é essencial para o controle do hipertireoidismo
no pré-operatório, principalmente em idosos. Quando efetuada por cirurgiões habilidosos, a taxa de mortalidade é baixa (0,2%), a recorrência do hipertireoidismo é praticamente nula e o hipotireoidismo ocorre em mais de 70% dos casos. Suas principais desvantagens são o risco anestésico e o alto custo. Apesar de mais freqüentemente descrita para o tratamento do adenoma tóxico, a injeção percutânea de etanol estéril a 95% guiada por ultra-som tem sido utilizada também no tratamento do BMNT – vide item “Adenoma Tóxico”.

HIPERTIREOIDISMO SUBCLÍNICO

O hipertireoidismo subclínico (HS) é caracterizado pela presença de TSH sérico <0.1 microIU/mL e concentrações normais de T4 e T3 livres. A supressão do TSH resulta de administração exógena ou produção endógena de
hormônios tireoidianos suficiente para manter os níveis séricos de T3 e T4 normais, mas que suprime a produção e secreção hipofisária de TSH. A maioria dos estudos refere uma prevalência < 2% na população adulta2(D).
O significado clínico do HS relaciona-se a três fatores de risco: (a) progressão para hipertireoidismo franco, (b) efeitos cardíacos, (c) efeitos esqueléticos. Pacientes recebendo terapia substitutiva com levotiroxina devem ter a dose ajustada, a fim de manter o TSH entre 0,3 a 3,0 microIU/mL2(D). Uma exceção seria a reposição de levotiroxina após tireoidectomia
para o tratamento de carcinoma diferenciado de tireóide, nos quais leve a moderada supressão do TSH é desejada.
Em pacientes com HS atribuído à doença tireoidiana nodular, o tratamento deve ser instituído devido ao grande risco de progressão para hipertireoidismo clínico. Estudos recentes têm evidenciado que o HS prolongado pode se relacionar
à diminuição da densidade mineral óssea e pode ser considerado um fator de risco para osteoporose, sobretudo em mulheres pósmenopausa2( D). Em homens e mulheres prémenopausa, a perda óssea parece ser mínima e de significado clínico desconhecido. Em idosos com HS, o risco relativo de fibrilação atrial é três vezes maior. Outros efeitos cardíacos adversos incluem insuficiência cardíaca diastólica e redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo em resposta ao exercício2(D). Não existe consenso sobre o manejo do HS. A Associação Americana de Endocrinologistas (AACE) recomenda que todos os pacientes com HS devem ser submetidos à avaliação clínica e laboratorial periódica (a cada 2 a 6 meses) para determinação da natureza persistente ou transitória da afecção e da opção terapêutica individual.

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